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sexta-feira, 12 de dezembro de 2008

Ruptura, repetição e diálogo.

O Rio de Janeiro me parece o mesmo de 1960, os morros, o preconceito, com poucas mudanças, os morros ficaram maiores e os crimes aumentaram a sua proporcionalidade, os dois filmes tratam praticamente do mesmo fato. Como viver em um morro no Rio de Janeiro, no entanto são filmes que estão inseridos em momentos históricos diferentes, da História do cinema, precisamente do cinema brasileiro, e Brasil.
O filme de Roberto de Farias está na década de 60 em meio da Ditadura Militar, com o cinema se construindo, a aparição do Cinema Novo, e filmes feitos por produtoras o que não difere de hoje, o Assalto é uma película da Herbert Richards, Cidade dos Homens é da O2 produções.
Cidade está na democracia, depois da retomada do cinema, não em uma época de ouro onde se fazia oito milhões de espectadores, mas o cinema tenta novamente se mostrar para o brasileiro, um desafio que o filme de Roberto de Farias não enfrentou. No entanto Paulo Moreli vai para fora do país.
Os filmes se passam em morros do Rio de Janeiro, em meio à sobrevivência e o crime, e se repetem em um discurso machista, onde Tião Medonho tem duas mulheres e tal fato se torna normal, podemos também observar isso com uma crítica. Não há mulheres no bando, todas elas são esposas cuidadosas e mantedoras do lar. Em Cidade dos Homens vêem-se mulheres em meio ao crime do tráfico, com armas na mão, no entanto continuam sendo objeto de desejo, sendo também a mantedora do lar, com uma diferença, existe o discurso da contemporaneidade. A mulher saiu da casa para trabalhar e ajudar o marido e sua sexualidade está muito mais exposta. Não com os maridos, mas em cabines de segurança e com os namorados.
Os filmes nos seus motes da sobrivivência quase sempre se reduzem ao crime, que o fato condutor das duas obras, e com um ditado estampado nessas filmografias. “O Crime não compensa”. Claros no que desejam, mostram o que é a “realidade”, tudo aquilo que acontece nos morros do Rio está “inseridos” nos filmes, em 1960 e em 2007, quarenta e sete anos depois a tentativa de representar ou de ser realista é o mesmo, talvez por isso seja os filmes se parecem e também se descolam ao mesmo tempo.
A presença do branco no morro é praticamente igual no filmes. No Assalto ao Trem Pagador, os brancos, mesmo aqueles que fazem parte do bando possuem uma condição de vida um pouco melhor, um deles sabe fazer contas e possuí uma venda e tenta ir embora do morra quando é pego pela polícia que é totalmente branca, o outro sai da favela e torna-se um “playboy”. Ele tem cara de quem tem carro, é o homem das idéias, do planejamento ele tem inteligência, os outros ficam a depender dele, apesar da liderança de Tonhão na comunidade que é tratado como Seu Tonhão, conquistou o respeito perante os moradores da comunidade e os criminosos, protegem para serem protegidos, aparecendo à figura do trairás, que também é presente em Cidade dos Homens. Roberto de Freitas afirma que aquele local é um local de negros, e os brancos não podem estar estão saltando a paisagem do universo do morro, miserável, apertado, sujo, pouco cuidado.
Paulo Moreli quase não inseri brancos na sua filmografia, o menino branco já morador do morro entra para o tráfico também em uma tentativa de fuga, fugir da opressão em mais uma tentativa de vencer na vida, ele é morto, confirmando que o crime não compensa ditado afirmado nos filmes, todos os personagens que se envolvem no crime morrem ou ficam presos. Há apenas o pai e menino de personagens brancos no filme todos os outros são negros.
Essas filmografias dialogam em todo momento, as diferenças e rupturas são delicadas, por muitas vezes se mostram na evolução da técnica, no uso da câmera, de equipamentos, que foi uma evolução natural do cinema, e na interpretação dos atores.
Temos em Cidade dos Homens uma câmera observadora ela busca as personagens e para revelar todos os acontecimentos no morro, ela se esconde, mostra os fatos entre as brechas das varandas que são vistas pelas ruas e pelos buracos feitos pelas balas, uma câmera ativa não apenas de registro que faz parte, conduz o espectador no filme mostrando os becos da favela, os barracos, as pessoas presas na hora do tiroteio. Podemos dizer que é uma câmera guia.
A câmera do trem pagador se presta em registrar o fato histórico, que está inserido em um ambiente inóspito, sem condições de higiene alguma, mostrando quase em tom de denúncia, muito mais em tom de crítica como, do resto ela apenas registra, como um filme narrativo e sua linguagem, direção do olhar, mostrar aquilo que visto.
O cinema evolui e desde a linguagem aos equipamentos, percebe-se tal fato nesses dois filmes, um possui uma câmera, autônoma, quase independente, o outro onde a câmera está dependo da marcação dos atores, em cor onde o diretor de arte ganhou sua visibilidade e compõe as cores do filme, o preto e branco da escala de cinza onde não se percebe o cabelo loiro e os olhos azuis da personagem.
A critica forte existentes nos filmes sobre como aquelas pessoas vivem, critica mais forte no filme de Roberto de Farias, se põe na fala do personagem de Grande Otelo, na mulher pedindo condições de moradia melhor, não é um filme ingênuo, a policia não acredita que o brasileiro seria capaz de planejar um assalto com tais proporções. O diretor sabe muito bem aonde quer chegar, sobre o que quer falar e afirmar.
E possui um final emblemático, a família do chefe do bando sendo coberta de poeira onde os carros das autoridades passam sem preocupar-se com eles, os deixando ao deus dará, sem eira nem beira, sem saber pra onde ir, e o seu futuro onde ia dar? O que os garantia foi tirado das mãos, no momento em que Zulmira se vê sem saída invadida, percebendo ela grita para ganha a atenção e falar, e estraçalhar o seu futuro.
Cidade dos Homens termina diferente, de maneira ambígua até. O morro fica sem dono um dos personagens fala. Quem comandava morreu, quem tentou comandar também, ta tudo aberto ninguém é dono de ninguém.
Os meninos Acerola e Laranjinha ensinam o menino Clayton a atravessar a avenida: - Olha para o lado e para o outro depois atravesse. Com uma mensagem simples, está tudo sem dono, mas é preciso dar as mãos e trabalharmos, buscar a responsabilidade e mudar as coisas.
O menino busca a todo o momento a referencia do pai, descobre que o tal está fugido, mas consegue manter uma boa relação com ele, descobre que ele matou o pai do melhor amigo, e depois fica trancado. O cinema brasileiro está à procura de suas referencias nas quais estão fugidas, engavetadas, que nos serve, contudo para copiá-las fica difícil, estão presas no passado, e temos que descobrir o que de novo nesse futuro.
Os filmes são fechados tudo se resolve nas estórias, não há espaço aberto, é como um circulo onde as coisas vão se completando, todas as historias do filmes se fecham, são roteiros fechados que justificam cada acontecimento com uma preocupação de não deixar uma brecha, um rastro de continuidade para que o espectador possa imaginar, não por isso são filmes ruins.
Na verdade são filmes muito bem definidos, sabem o que querem como chegar para confirmar o seu discurso, e deixar algumas coisas para o espectador, ou seja, a mensagem do filme.
O cinema brasileiro nasce e morre, é um ciclo vicioso de nascimento e morte, recriação e cópia, tentativa e desistência, aparição e sumiço.

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